Saturday 2 May 2009

Noites de Outubro. (parte I)

Ê Maria, já de longe mais uma dessas tantas Marias, esse nomezinho dos mais comuns, dos mais sem açúcar. Ê Maria, mais uma dessas raparigas que não tem ginga. Ê Maria, já é a terceira dessa marca estelar no céu invernal.

E poderia parar por aí, poderia fingir que nunca a havia visto realmente, apenas aquela olhadela sutil de quem passa pela rua e deparasse com alguém que de um modo ou de outro chama atenção. Algo rápido e sem grande delonga. Mas para variar, tinha que ter o diferencial naquela ali, um diferencial ausente da percepção diária. Já que aquela Maria foi A Maria.

Maria era a virgem formosa dos cabelos dourados, aquela tão bem querida por tantos, a moça flor-de-cerejeira. Maria era a obscura dama da noite, era a mulher de vermelho a arrancar os suspiros de tanta gente fina – ela sabia aonde ir e o que fazer para conseguir aquilo que queria. Maria era a margem paradoxal de um mesmo ser, era a flor-viva de amor e era a marca das condenadas – simplesmente era jovem Flor de Lis.

E poderia por aí convergir a tantos herméticos limites do corpo e da mente, mas que não haveria de ser assim. Não haveria de me atrair por tal ser se eu não o fosse um pouco. Éramos ambos sérios, ambos assim singelos e perspicazes. Aqueles que procuram sem o real procurar quem o vá agüentar por longo tempo sem tempo. Talvez quiséssemos apenas uma casa no campo – talvez quiséssemos ser o campo.
Mas que a morte já havia tomado grande parte daquela face, Maria e sua palidez de moça notívaga, moça noturna que se perde nas estrelas, moça que é mais que o perder-se entre elas – moça que é estrela. E havia mesmo assim toda aquela vida que movia o seu entorno, toda a vida que me fazia por ela tornar-se correnteza meu desejo-nascente.
Era a noite mais profana, a mais santa. O desaguar do sangue rubro das veias insanas da vida que não mais sem ela haveria de persistir. Era na noite daquele meu Outubro, era no cantarolar do silêncio que me perdia, nas andanças por ruas vazias. Eu já sabia onde haveria de vê-la. E ela já me esperava, pois eu não era mais um dos tantos Joãos que por ela passara. Eu era Francisco, eu era Pedro, era Pablo e era André, era quem ela quiser.
“Espera”, ela me diz com aquele único olhar. Era a chance do negócio do ‘viver sem mim’ ser abandonado, esquecido em alguma viela. “Claro minha dama”, só a isso pude restringir a profundeza do Deus-Amor que me batia à porta do coração, esse que não era mais um ilusório Tum-tum-tum, que não era mais o falso passo-compasso, era sim o bailar de um bolero, dos amantes em secreto.
E ela se foi, mais um findar de noite que saio na garoa, me entregando sem pensar aos rodopios do vento. Nessa saudade que existe e quem vem – tão triste. Meus olhos que se afagam com o chorar lamurioso, da falta de alguém tão meu não sendo. Pensando em Amor, pensando no respirar de mais uma Dor. E tu mesma me sopras ao ouvido a Esperança, me sopra aquele versar camoniano com o toque do atual. E me entreguei sem pensar a nova chance de um amanhã tão duradouro.

Maria era fogo. Era gelo. Maria era a música daquele moço vistoso - “Formosa não faz assim”. Maria era a graça de um cinema novo, daqueles que chegam modificam.

Nascemos. Às vezes crescemos, e certas vezes brilhamos.

2 comments:

  1. ''Às vezes crescemos, e certas vezes brilhamos.'', lindo.

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  2. "Formosa não faz assim”. Maria era a graça de um cinema novo, daqueles que chegam modificam."

    Isso me lembra alguém, nitidamente.

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