Saturday 2 May 2009

Noites de Outubro. (parte II)

E o Sol ia caindo, e aquele seu olhar já me ia vindo com seu movimentar de maré, naquelas ondas que mais uma vez iriam me tomar. E o eu e você, no nós dois, à meia luz, do encontro dos enamorados lunares e solares movimentares. Mais uma canção que a nossa iria cantar.
Fui-me ao encontro daquela já esperando ser mais funesta a tal nova tentativa. Fui ao modo galante de quem vai conquistar a conquistadora. Fui ao modo do balanço em gingado de um bambolear, de quem na corda bamba sabe se equilibrar. Na lapela o fidalgoso cravo púrpura. Ao encontro da beleza que ao meu sorriso enchesse de graça. E me veio o olhar-espera e me veio com aquele ar maroto de quem vai adiar, de quem vai torturar. E veio o movimento de mais um sim cauteloso, veio e se foi sem dar-se ao luxo de fazer-se. E fui, fui continuamente no passo certo, no concreto do mais abstrato devaneio de vir-a-ser. E pelo braço alvo daquela candura juvenil sussurrei-lhe no ouvido: “A tortura de um silêncio poderia levar a loucura ou a maior das genialidades, qual seria pior?”

Quem mais me diria se não eu qual esperta era Minha Maria. Qual ávida era Minha Maria. A Dona de Si era a Minha Maria.

E no sorriso seu, veio-me por entre os dentes o néctar que haveria de deixar-me inebriar, tornar-me-ia o bêbado equilibrista, de todo aquele “Pois haveriam de ser ambos se o desejo pulsante for negado.”
E eu bem já não mais sabia qual seria o novo impulso a me tomar, aquilo que não queria já me era desconhecido e o que queria já a muito havia se tornado infinito. E só esperava aquela vinda, aquele rodopiar do vestido vermelho-rodado. E ela veio ao passo da música, veio como a estrela divina da dúvida-nenhuma. Pegou-me a mão, afagou-me o rosto e levou-me, levou-me pelo mais dourado campo de narcisos que haviam de ser seus perfumados cabelos, seus adoráveis trigais já não o eram. A banhar-me nos mares e lagos de todo aquele azul que diziam já somos o nosso casar. E ela me vira, me perfuma e me arruma, e apenas a gota do seu desejo me despeja na face com aquele beijo daquele olhar que me faz incendiar.
Maria me diz com cada carícia, com cada toque daquelas mãozinhas a surrupiarem a minha e em sua face as colocarem, que é minha. Ela sabia como deveria me conquistar, mas ela sabia que não iria me ganhar. Um lutar de quem sabe que o outro também conquista. Luta de quem já foi jogado nas arenas, jogado aos risos de tantas hienas, que já disse o homem de outros tempos infinitos que do coração do poeta ninguém haverá de ser o domador.
Era jogo, era graça. E agora eu vou perguntar, vou a ela para meus braços levar e quero ver quem ainda vai trair. E só eu sei quanto Amor eu guardei, sem jamais saber que ele seria só para você. E só haveria de ser com você que o libertino se deixaria cair. E você só haveria de entregar-se a mim. Que haveria de fim de ser de um homem.
Era o jogo da sombra e da luz, era a dança do mover-se em infinito.

Maria era estrela, era grande, era super-nova constância. E eu era azul, era complexo, era conservado e estável, era quem a tantas já havia tocado. Maria ganhava a conquista, e a retinha, mas não a possuía. Maria e seu ver não material.

Caímos.
Jorramos.
Flutuamos.
E nos deliciamos. Com o conhecer daquela aurora boreal, daquele momento que faz renascer o furor de faces já gélidas. Se não fosse assim não haveria ainda de ser amor.
“Você que é bonita demais, essa que me deixa encontrar a minha dita paz, essa que a muito já nem pensaria existir resquício. Deixe-me morar por entre o relvado, deixe-me em teus beijos deliciar-me mais e mais.” E ela riu, riu aquele riso gostoso de quem faz festa, riu como se soubesse ter me ganhado mais que eu a ela. Maria e sua esperteza me frustravam, me provocavam a autodestruição. Como haveria de não ser? Ela era sabida, ela era espírito livre.

Maria era vento que vem em brisa que te cobre de carícia. Maria é aquela do olhar que dá flechada e que se torna furacão e você fica perdido no olho dele, na calmaria de momento, e ela se move e ela te arrasa, te abate e te ergue. Maria te faz ser vida.

“Precipitar. Sabe defini-la?” E ela me pegava de novo pelo pé, me derrubava no pulo. “É o não buscar nova arte, é o esquecer do engenho, e deixar o mal-amor te tomar.”, sussurrei esperando pelo fim, sussurrei como se não houvesse volta, sussurrei esquecendo que Amor é verbo infinito, que chega para dar o quem mais ninguém deu.
“Eu ainda quero minha casa no campo, ainda quero me ver para além do mar e nele. Quero poder reter-me na substância essencial de toda a vida. Quero haver em Iemanjá e em Maria Madalena. E quero te pegar pela mão e poder caminhar por sob as nuvens do resplandecente alvorecer. Eu só quero por mais uma noite adentro me perder pelas carícias de teu corpo-ser.” Veio ela para mim na noite que haveria de ser o fim.

Maria é a rapariga que toda noite me afaga os cabelos, aquela que me deixa afagar os seus e deixar que eles me levem para meus campos de narcisos. Maria é aquela que está aqui, lá e em todo lugar, em todos os dias de noites. É a malícia da libido, é quem cuida de mim. Maria é a virgem deflorada pelo homem que não a queria simplesmente deflorar, mas vê-la jorrar, na certeza de ambos serem Homem e Mulher, na certeza do vir-a-ser um corpo só de duas almas revoltas.

4 comments:

  1. Gosto do seus textos, são sempre cheios de ''mais uma novidade'', vc sempre inova.

    ReplyDelete
  2. Como assim mudo drasticamente??
    Isso é bom ou ruim?? rsrs
    Saudades de nossas prosas!
    Bjos

    ReplyDelete
  3. Contagiante visão sobre as cenas de seus escritos.



    "E sempre surpreende, sempre faz sorrir e ilumina toda a gente. Pensante, pessoas, razão. Emocionantes escritos que tocam no coração. E a alma te convida para dançar sobre as letras coladas por aquela de escritos-lírios."

    ReplyDelete